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domingo, 12 de agosto de 2012

Comentários sobre o Estatuto de Roma no Novo Código Penal Brasileiro Parte 1




Recentemente fui nomeado como membro da Comissão de Reforma do Novo Código Penal Brasileiro pela Ordem dos Advogados. Aproveitando a oportunidade que me foi honrada, estarei ao longo dos próximos artigos explanando vários aspectos e propostas a cerca deste novo código.  A comissão de reforma do Código Penal decidiu incorporar ao código diversas condutas previstas em tratados internacionais, capitulando, portanto os crimes de guerra, extermínio, escravidão, genocídio e a tortura.O título do novo Código Penal sobre os crimes contra os direitos humanos trará um capítulo sobre os crimes contra a humanidade  previstas no Estatuto de Roma, neste nosso estudo vamos fazer uma varredura desses tratados com breves comentários.

Impunidade é o maior obstáculo nas investigações sobre crimes contra a humanidade. Qualquer acusação por crimes cometidos durante o conflito armado, independentemente das suas espécies, mesmo aquelas cometidas na guerra suja da ditadura contra a população civil é precedido por uma decisão política que geralmente se origina no poder do vencedor e processados o perdedor da guerra. Da mesma forma a "perdoar e esquecer" está prevista em uma lei de anistia é uma decisão essencialmente política.

A variável sobre a concorrência contidas no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI) é a quebra da doutrina da soberania do Estado na aplicação do direito penal a partir da doutrina da superioridade global em termos de direitos os seres humanos.

Esta afirmação deve ser entendida como um ato complementar para a comunidade internacional, ou se preferir, alternativa à aplicação do direito processual nacional, o que pressupõe que o princípio da soberania só pode ser quebrado a partir da decisão do Estado-Membro Signatário, utilizando-se dos procedimentos constitucionais para que o TPI tem jurisdição sobre ele.

A história está cheia de guerras e crimes horrendos contra a humanidade, os debates que consolidaram sua constituição presente vêm de um mundo assustador, onde milhões de pessoas foram mortas sob formas odiosas de tortura e outros maus tratos. A vítima é a prioridade nesta doutrina que procura não esquecer os fatos.


Concorrência  de atuação do Tribunal Penal Internacional é, talvez, o maior problema debates jurídicos. Você não pode julgar uma pessoa com um direito processual que não está em vigor no momento em que ocorreu o evento. Um princípio bem conhecido no direito penal. Quando se trata de crimes a fórmula não alteram a "certeza" da comunidade política, mas quando se trata de crimes contra a humanidade cometidos no conflito armado, o oposto pode ser verdadeiro, porque as acusações são destinadas a pessoas ligadas à época do crime tornando incoerente às garantias preceituadas por Ferrajoli, e tão exaustivamente estuadas por nós ou seja, o pais signatário estará sujeita a lei internacional apartir da criação da mesma, independentemente do tempo de sua adesão.

O Estatuto do  Tribunal Penal Internacional  prevê, no artigo 11, intitulado "Concurso Temporário" no item 1 que "O Tribunal só terá competência sobre os crimes cometidos após a entrada em vigor do presente diploma." Podemos chamar esta figura "competência genérica" , entendido como o instrumento legal que dá vida ao TPI, o que foi publicado em 01 de julho de 2002 depois de ter ratificado o instrumento pelo número de Estados signatário ao acordo. A "competência especial" é aquele que se aplica quando há a adesão do partido no Estado e sobre o mesmo. No entanto, no parágrafo segundo do mesmo artigo em questão revela que o Estado pode fazer uma declaração para atribuir competência ao Tribunal Penal Internacional para um evento que aconteceu antes que o estado estava envolvido, mas, obviamente, nunca antes de 01 de julho de 2002 ( dia da criação da Lei).

A descrição acima corresponde a um dos princípios mais universais do direito penal: não há pena sem lei. O texto do Estatuto de Roma é clara: o artigo 22, intitulado "Nullum crimen sine lege". Número 1: ". Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, com o presente Estatuto, a menos que a conduta em questão constitui, no momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal" Dado que o Estatuto de Roma é um organização sistemática de crimes complexos e procedimentos, para não deixar dúvidas, também desenvolveu princípios relativos à aplicação da lei no tempo. Artigo 24, intitulado "personae retroatividade ratione" prevê no ponto 1 que "Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto por uma conduta anterior à sua entrada em vigor."

Conforme o relator da comissão, procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves, o objetivo é recepcionar essas condutas na legislação brasileira. Caso contrário, ocorrendo qualquer uma delas, o Brasil ficaria sujeito a julgamento em um tribunal internacional.

Com a decisão da comissão de reforma do Código Penal,de alterar o texto do anteprojeto, incluindo diversas condutas previstas em tratados internacionais sobre os direitos humanos. Haverá um capítulo sobre crimes contra a humanidade.

Conforme a proposta, “são crimes contra a humanidade os praticados no contexto de ataque sistemático, dirigido contra população civil, num ambiente de hostilidade ou de conflito generalizado, que corresponda a uma política de Estado ou de uma organização, tipificados neste capítulo” – dos crimes contra a humanidade e crimes de guerra.


domingo, 20 de maio de 2012

Justiça Midiática



Liberdade de expressão não é um direito absoluto. Quando a imprensa faz uma campanha pela condenação do réu, os juízes têm o dever de intervir para assegurar o direito do acusado a ter um julgamento justo. É preciso tomar providências para evitar que pessoas que ainda são consideradas inocentes acabem tratadas como culpadas pelos jornalistas.

Viola-se portanto o  princípio da presunção de inocência, se der à pessoa que ainda é inocente um tratamento de culpada. Há uma colisão de direitos da imprensa em reportar fatos livremente, com o direito da pessoa de não ter sua reputação ofendida gratuitamente.
É claro. Nós não estamos mais sob a ditadura, vivemos em um regime democrático. Há outros direitos que podem colidir com a liberdade de expressão e que também merecem proteção constitucional. A forma como a mídia retrata um fato criminoso, a prisão de um suspeito, a apuração feita pela Polícia, pode violar honra do acusado e privá-lo de um julgamento justo. É como se não houvesse o processo, já que o julgamento não vai se pautar apenas nas provas que são produzidas nos autos.


A pessoa não deve ser tratada como culpada antes que haja uma sentença transitada em julgado. Esse é o princípio da presunção de inocência. O ônus da prova é de quem acusa. Ao tratar uma pessoa que está sendo processada criminalmente, deve-se  impor  a ela o menor constrangimento possível. Uma das aplicações desse princípio, no Judiciário, é não impor a prisão sem que haja estrita necessidade, porque a pessoa ainda é inocente. A imprensa tem liberdade para cobrir julgamentos criminais, acompanhar o funcionamento da Polícia e da Justiça. Só que a imprensa reporta fatos criminais com o discurso de que os crimes têm que ser imediatamente punidos, de que deve aumentar a repressão, pois há muita impunidade.

Na imprensa se tem a velha máxima que toda forma de restrição da liberdade de expressão é considerada ditatorial. A imprensa, geralmente, tem uma resistência enorme não apenas a eventuais medidas do Judiciário de proibição de veiculação de reportagens, mas também quando são condenados a pagar indenização, porque isso também é considerado um atentado à liberdade de expressão. Reagem, ainda, ao direito de resposta. Os jornalistas consideram restrição à liberdade editorial a obrigação de publicar uma resposta.
Mas é evidente que direito de resposta nem sempre é bom para o cliente porque acaba prejudicando em veiculações abusivas na imprensa. Como as coisas demoram no Judiciário, na hora em que a pessoa atingida por uma reportagem prejudicial consegue o direito de resposta, o assunto já esfriou. E há outro problema. Os jornalistas colocam a resposta em letras usadas para publicidade. Ao colocar como informe publicitário já está diminuindo a autenticidade, qualidade, autoridade daquela resposta.

Não é toda notícia sobre um processo criminal ou um inquérito que deve ser considerado uma campanha de mídia contra o réu. Têm que estar presentes alguns critérios. Primeiro, avaliar o conteúdo das notícias e ver se as manifestações são predominantemente opinativas e sugerem a culpa da pessoa investigada. Segundo, intensidade da campanha, ou seja, sucessivas inserções por diferentes veículos que se estendem por um determinado período de tempo. Se há uma notícia sobre uma operação da Polícia Federal, por mais que seja prejudicial, não é suficiente para caracterizar uma campanha. Também tem que estar presente um risco potencial de que a campanha de mídia vai prejudicar o julgamento.

O juizo precisa tomar algumas providências para ser menos permeável a uma campanha de mídia. Os jurados são mais permeáveis, no sentido de que não precisam motivar suas decisões. Não há como saber o caminho que os jurados percorreram para chegar à decisão. Como medidas preventivas, sugiro postergar o julgamento ou modificar o foro. Suponhamos que em uma cidade do interior haja campanha aberta contra determinado réu. A Justiça brasileira permite que o réu seja processado na capital. Mas com a globalização, dependendo do grau da campanha contra o réu, o desaforamento já não é tão eficaz. No caso do Tribunal do Júri, há a possibilidade de seqüestros de jurados. Mas isso também não impediria que os jurados fossem influenciados em uma campanha anterior. Também há a possibilidade de adiar um pouco o julgamento até que não haja uma campanha tão fort e. São medidas que podem minimizar o problema.

Também sugiro algumas medidas restritivas. A primeira é a ampliação do direito de resposta, de forma a permitir um espaço maior ao acusado para dar outra versão dos fatos no jornal. Dependendo da intensidade da campanha, o direito de resposta nem é tão eficaz. Ás vezes, o acusado está tão desmoralizado que suas afirmações já não são consideradas ou pioram sua situação. Um caso claro é o da Suzane Richthofen. Outra medida que, evidentemente, cerceia a liberdade de expressão, é a restrição da publicidade do julgamento.

A Constituição diz que o julgamento deve ser público. Mas há situações em que o juiz pode decretar o segredo de Justiça e proibir o acesso a determinadas informações. Isso pode não ser tão eficiente. Apesar de os processos estarem em segredo, muitas vezes, as informações vazam e não tem como impor ao jornalista que ele diga quem é sua fonte. Também são possíveis punições posteriores à publicação, através de indenização para a pessoa que foi prejudicada ou a punição criminal dos jornalistas responsáveis. Outra medida refere-se à restrição de provas ilícitas.
A forma como o jornalista investigativo constrói a verdade é livre. O jornalista não está obrigado a respeitar as regras de produções de provas como acontece no processo judicial. Às vezes, as provas que a imprensa obtém são ilícitas, como uma gravação ambiental não autorizada, documentos sigilosos que chegaram às mãos do jornalista.

O Supremo Tribunal Federal tolera a gravação ambiental quando é a vítima que a utiliza. Por exemplo, a dona de uma loja está sendo vítima de extorsão. Todo dia, um fiscal cobra um dinheiro para não autuá-la. Certo dia, ela grava essa conversa com o fiscal. Isso é lícito. Se alguém comete um crime em um lugar que tem uma câmera de segurança, é lógico que o vídeo é totalmente lícito. Situação diferente é estar em um ambiente de privacidade, enganando uma pessoa e a fazendo confessar um crime com uma câmera escondida, depois expor a gravação e pretender que aquilo seja prova no processo.

O juizo não pode admitir esse tipo de gravação, ainda que as pessoas tenham certeza absoluta de que a pessoa cometeu o crime. Uma das medidas possíveis seria a mais sensível: a proibição de veiculação de mensagens. Isso tem um caráter de censura. Mas, em tese, é possível como medida judicial em situações excepcionais. O constitucionalista Luís Roberto Barroso afirma que cada geração se assusta com assombrações diferentes. E que, para a geração dele, a grande ameaça era a censura. As novas gerações, que não viveram e não temem a censura. As pessoas só começam a pensar nisso quando são atingidas, eventualmente, por alguma notícia. Concordo que as gerações que viveram sobre a ditadura militar acabam se assustando com esse tipo de fantasma. Mas não existe mais a censura institucional. O Luís Roberto Barroso escreve no prefácio do meu livro que pode ser que ele não concorde com todas as soluções que propus. Mas ele diz também que não há valores em uma democracia que estejam acima do debate democrático.

Não se pode simplesmente defender a liberdade de expressão sem justificar porque ela é importante. O Luís Roberto Barroso diz que a liberdade de expressão já não pode se proteger apenas pela invocação de velhos fantasmas, precisará legitimar-se e afirmar-se por méritos e virtudes próprios, conquistando a proteção e reconhecimento por parte das sociedades. O juizo precisa estar aberto à crítica, a mesma coisa ocorre no Judiciário. O juizo tem que estar aberto à crítica pública o tempo todo. É um agente público, não é eleito pelo povo, logo, sua legitimação vem das decisões, da transparência como conduz o processo. Quanto mais transparência tiver no funcionamento da Justiça, na atuação do juiz, mais informada a população vai estar.
Não basta a notícia ser inverídica e prejudicial, tem que caracterizar o dolo do jornalista ou uma conduta temerária, cabendo o ônus da prova à própria pessoa atingida. Com a instantaneidade, o tempo da notícia ficou mais acelerado. Para a imprensa, o bom é divulgar a notícia rapidamente, mesmo que seja parcial ou falha. A falha se corrige depois. Começa aí o ponto de tensão entre a Justiça e a imprensa. A Justiça trabalha com uma concepção completamente contrária, ou ao menos deveria. O amadurecimento da construção da verdade, o contraditório no processo demanda tempo. Não pode, realmente, a cena judiciária transformar-se em espetáculo midiático. 

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Estudo da polêmica no julgado do STJ no caso de estupro de vulneráveis



Nos últimos dias na sala de aula,  fizemos um pequeno debate sobre o ocorrido e criei este artigo para melhor expor entendimento sobre a recente decisão  da 3 ª turma  do STJ, que demonstra  ser relativa a presunção de vulnerabilidade  para os menores de 14 anos nos crimes de estupro.
A terceira turma decidiu pela relatividade no caso de atos sexuais cometidos por adulto com três vítimas de doze anos, uma vez que as vitimas já se prostituíam bem antes da ocorrência dos atos sexuais com o réu e era de conhecimento público e as mesmas confessaram atender vários “clientes” semanalmente, Importa assinalar que a notícia, como fica claro, refere-se ao tipo penal do artigo 224, antes da alteração promovida pela Lei n. 12.015/2009.

Segundo o STJ, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já havia inocentado o homem argumentando que “a mãe de uma das crianças afirmou que a filha enforcava aulas e ficava na praça com as demais para fazer programas com homens em troca de dinheiro”.
“Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado”, disse o acórdão do TJ.
Depois da decisão do TJ, a Quinta Turma do STJ reverteu a decisão, decidindo pelo “caráter absoluto da presunção de violência” no caso de estupro praticado contra menor de 14 anos.
A defesa, então, recorreu da decisão. O caso foi analisado pela Terceira Seção, que entendeu pela presunção relativa de violência, considerando que cada caso deve ser analisado individualmente.:

A antiga redação do artigo 224 estabelecia que, nos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor, a violência era presumida se a vítima fosse menor de 14 anos ou alienada ou débil mental. Diante dessa pretérita redação, em que o legislador falava em presunção de violência, parcela da doutrina e jurisprudência consideravam que essa presunção poderia ser relativizada, caso a vítima fosse menor de 14 anos e maior de 12 anos. Isto porque, tendo em vista os atuais contornos da sociedade, muitas meninas de 13 anos já iniciam, com consciência e vontade, seus atos sexuais com respectivos namorados, muitas vezes com o conhecimento da própria família. Nesses casos, seria absurdo presumir, absolutamente, a vulnerabilidade do acusado que praticasse, consensualmente, qualquer ato libidinoso.

Com a alteração de 2009, o estupro de vulneráveis passou a ser tipificado da seguinte maneira: “Ter conjunção carnal ou praticar qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos”. Reparem que o legislador não mais se referiu à presunção: tipificou a conduta de ter relações sexuais ou qualquer ato libidinoso com as vítimas menores de 14 anos. Assim sendo, a Jurisprudência majoritária estende desta feita, que esta tipificação não mais permite a relativização para vítimas menores de 14 anos e maiores de 12, como anteriormente.
Mas observe a minúcia da questão, o caso referia-se a um crime praticado antes da reforma, e, portanto, sob a vigência da antiga lei menos gravosa. Nesses casos, havia uma divergência entre a quinta turma e a sexta turma do STJ sobre o entendimento a ser aplicado; para a quinta turma, a presunção deveria ser absoluta, ao passo que, para a sexta, a presunção era relativa. Presente a divergência, o processo foi encaminhado para a terceira seção do Tribunal da Cidadania, para decidir qual entendimento a ser aplicado antes da vigência da lei nova.


Importa lembrar aos senhores com a devida vênia, que esta decisão pertence somente aos fato que se e somente se ocorreram antes da reforma. Lembramos que trata-se de ultra-atividade da lei e da interpretação mais benéfica ao acusado, que cometeu os fatos sob a vigência da lei antiga. Para a lei nova, a jurisprudência não aceita a relativização da idade, mantendo o crime quando o ato sexual ou libidinoso for cometido com vítimas menores de 14 anos, porque, nesse caso, não se trata de presunção, mas de elementar do tipo.
Neste entendimento, por maioria, vencidos os ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior, a Seção entendeu por fixar a relatividade da presunção de violência prevista na redação anterior do CP.

O ACNUDH (Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) deplorou a decisão do STJ,  que no entendimento contradiz vários tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, incluindo a CDC (Convenção sobre os Direitos da Criança), o PIDCP (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos) e a CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher). Ele enfatizou que “todos os tribunais têm a obrigação jurídica de interpretar e aplicar esses tratados de direitos humanos.


O caminho interpretativo foi correto, deve-se se fazer valer sempre do principio da ultratividade, que guarda relação estreita com os princípios constitucionais da reserva legal e da anterioridade da lei penal, deve-se observar qual o a amplitude do animus do agente no momento do ação. Entendo também que uma adolescente de 12 anos não teria a capacidade de exercer sua liberdade sexual e que o estado deve se corresponsabilizar com o fato ocorrido, em relação ao agente que praticou esse reprovável ato deve ser punido sim, mas obedecendo devido processo legal e ampla defesa, esquecemos muitas vezes que o direito penal deve ser a ultima ratio,  ou seja, como última opção de controle, tendo em vista o fracasso dos outros meios formais de controle social em relação à proteção dos bens da vida relevantes. Todos os mecanismos de defesa do agente devem ser esgotados, entendo também que a punição deve ser aplicada de maneira coercitiva para que essas crianças tenham a justa reparação desse mal social, na esfera civil de natureza indenizatória.

sábado, 17 de março de 2012

Aspectos da atividade de Guarda Municipal e sua antijuridicidade




   É totalmente descabido  o emprego das guardas  municipais na preservação da ordem pública. A Constituição Federal prevê a criação facultativa de Guardas Municipais, destinadas à proteção de  bens, serviços e instalações do município no Art. 144, signum sectionis 8.  Mas, alguns dirigentes de Guardas Municipais,  elevando sua condição a ativista supra legais, querem considerar como  de interesse  local os assuntos  relativos à ordem  pública, vêm agindo de forma  superposta às Polícias estaduais, tentando fazer  tanto a prevenção como a repressão imediata de infrações penais e de trânsito.
  
 É evidente o que os Guardas Municipais devem exercer em sua função precípua a  vigilância do patrimônio público. Agora,  é inadmissível que se desloque sua função para o  patrulhamento das ruas, a realização de barreiras e identificação de transeuntes,  como vem  acontecendo em alguns Municípios. E nem pode a Lei municipal redirecionar a função invocando o princípio da autonomia legislativa, criando leis encharcadas de vícios de inconstitucionalidade, pois trata-se de matéria cuja competência está rigidamente fixada  pela Constituição no artigo 144 já citado.  .

    Pontes de Miranda , ensinou que “são inconstitucionais e suscetíveis de serem tratadas como forças ilegais todas as organizações policiais, mesmo estaduais, que não se fundaram em Lei Federal.”
Embora o preceito do Art 144 signum sectionis 8 da Constituição Federal  lhe confira atribuições policiais restritas , as Guardas Municipais estão voltados à garantia de interesse especificamente de vigilância municipais. Não se confundam, porém, as atribuições da Guarda Municipal com o serviço de segurança prestado pelo Estado através da Polícia Militar.
    
    Aliás, Hely Lopes Meirelles  já expunha que “ A Guarda Municipal, ou que nome tenha, é apenas um corpo de vigilantes adestrados e armados para a proteção do patrimônio público e maior segurança dos Municípios,  sem qualquer incumbência de manutenção da ordem pública. “
   
  A Guarda Municipal é  órgão exclusivamente da administração municipal e, assim, sujeita ao princípio da legalidade, elencado no art.  37, caput, da Constituição da República, cabendo lembrar , ainda o que nos ensinou  Hely Lopes Meirelles , a eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei, pois, na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal, só lhe sendo permitido fazer aquilo que a Lei autorizar, razão de não se poder descumprir os seus preceitos, geralmente de ordem pública, e isso, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos
  
 Reinterando o que é  prescrito na Constituição Federal em seu preceito elencado no artigo  144, signum sectionis 8, que “Os Municípios poderão constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a Lei”, evidenciado-se que a norma constitucional não se refere a todos os bens municipais elencados no artigo 66 do Código Civil, sob pena de vir a Guarda Municipal competir com a Polícia Militar, como,  por exemplo, ao pretender-se  que ela se destine à proteção de estradas municipais, bem como das ruas e praças,  hipótese de bens públicos municipais de uso comum do povo, contemplada no artigo 66, I, do Código Civil. Restaria, pois, ao Município destinar a sua Guarda Municipal À proteção dos seus bens de uso especial e dominicais, hipóteses previstas no mesmo artigo 66, II e III, do Código Civil.

   Vemos em muitos casos a Guarda Municipal se denominar Patrulha de Trânsito ou mesmo Guardas de Trânsito, o que seria um absurdo e uma tentativa ineficaz de concorrer com a Legítima Polícia de trânsito, comandada pela Polícia Militar, as únicas atribuições no trânsito que os Guardas Municipais podem exercer são, educar e orientar o trânsito e multar quando assim se fizer necessário. A aplicação de multas de trânsito por guardas municipais reconhecida pelo Supremo . A matéria consta do Recurso Extraordinário 637539 e, segundo seu relator, ministro Marco Aurélio, “o tema, de índole constitucional, está a merecer o crivo do Supremo”.
Tendo em vista o disposto no artigo 144,  signum sectionis  8º, da Constituição Federal, o qual prevê que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Mas de nenhuma forma o Agente de transito municipal deve extrapolar seus limites administrativos, de nenhuma forma pode exercer função exclusiva de Policiais estaduais ou mesmo federais,  sendo a fiscalização de trânsito é atividade exclusiva no estado.

Fazer barreiras, solicitar documentos, fazer autuações na esfera penal é um flagrante de abuso de autoridade desses agente, Comumente vemos a CTTU em Recife e outras unidades no país, exercendo arbitrariamente um poder de polícia, até mesmo conduzindo munícipes até a delegacia e querendo se valer de uma poder de polícia arbitrário e descabido.

Guarda Municipal não tem  legitimidade constitucional , portanto para conferir documentos, entrevistar pessoas, realizar operações de combate aos delitos de trânsito, inspecionar cargas, abordar veículos para sua fiscalização, analisar a documentação do condutor e do veículo, pois as infrações relativas ao condutor e ao veículo são de competência estadual, apreender veículos.

       Todas as atribuições acima indicadas são de competência das Polícias estaduais e Federais, não podendo o poder executivo municipal, por meio de um simples decreto ou lei municipal, alterar as atribuições constitucionalmente vedadas a estes. Todos esses decretos são atentados à nossa constituição, o executivo tentando  ferir  matéria que é de atenção exclusiva do estado e da união, simplesmente atentando contra nossa Lei Maior.


Portanto, diariamente nos deparamos com flagrantes de despreparos de muitos Guardas Municipais, também chamados de Agentes Municipais assim como Agentes Administrativos de Trânsito ou mesmo os chamados Patrulheiros Municipais,  exercem exorbitantemente de suas atribuições e agem com arbitrariedade e desproporcionalidade, esquecendo que sua função de vigilância. Montando barreiras, abordando transeuntes e condutores com  a mesma energia que se aborda um suspeito de delito, ou mesmo agindo arbitrariamente com interesse de propinas ou coação moral, como demonstram várias ações que abarrotam as esferas judiciárias brasileiras.


Post Script

Abaixo o artigo 144 da Constituição Federal Ipsis Litteris para melhor embasamento da matéria:





Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:


I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.



§  - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Alterado pela EC-000.019-1998)


I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Alterado pela EC-000.019-1998)

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.


§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. (Alterado pela EC-000.019-1998)
§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Alterado pela EC-000.019-1998)
§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. 
§  - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§  - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. 


§ 9º A  remuneração dos servidores  policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do Art. 39. (Alterado pela EC-000.019-1998)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Velocidades do Direito Penal, os ritmos nas medidas do Direito Penal.


Por Kennedy Barreto


Gostaria de abrir os trabalhos jurídicos deste blog com um tema moderno e em desenvolvimento pelas principais escolas do direito penal. A Teoria das Velocidades do Direito Penal, liderada pelo professor Silva Sanchez. O doutrinador defende que o Direito Penal não é homogêneo, tendo um processo de diferenciação ente os ritmos das garantias e penalidades. O Direito Penal acaba diferenciando a ação do estado ou abrangência entre estados ao impor suas intenções punitivas. Chamou-se esse ritmo de Velocidades do Direito Penal. Atualmente existe 4 velocidades que serão analisadas a seguir de uma maneira simples e definitiva para nosso entendimento: ( Entenda o termo Velocidade como ritmo ou forma de ação do direito em relação a energia e eficiência de seus resultados.)


Velocidade 1 - Têm como características, o cumprimento ao devido processo legal, no que diz respeito a penas privativas de liberdade e as garantias constitucionais, total respeito aos preceitos iluministas como nos ensina Zaffaroni. Esta velocidade trata do Direito Penal do Cidadão, em uma visão tradicional, garantista, com total cumprimento de todos os preceitos de direitos fundamentais.


Velocidade 2- Admite uma substituição das penas privativas de liberdade por penas alternativas, faz-se necessário lembrar a Lei 9605/98, Crimes Ambientais que no artigo 8 e 13 admite o recolhimento domiciliar como pena alternativa, assim como esta velocidade é evidente na Lei n. 9.099, de 1995 dos Juizados Especiais. Temos portanto, aplicação de penas não privativas de liberdade, medidas alternativas e uma flexibilização  às medidas punitivas do estado. 


Velocidade 3- Está ligada ao Direito Penal do Inimigo, sustentado pelo doutrinador alemão Günther Jakobs, na década de 1990, é baseada em três fundamentos, antecipação da punição do inimigo, desproporcionalidade das penas e ou supressão de garantias; criação medidas gravosas contra crimes de alto repúdio social . O inimigo passa a não ter o tratamento destinado ao cidadão. Existindo assim, uma distinção entre o cidadão o qual, quando infringe a Lei Penal, torna-se alvo do Direito Penal e o inimigo como ameaça ao Estado, diferenciando seu tratamento. As medidas punitivas contra o inimigo podem ser temporárias ou mesmo excepcionais. Esse movimento pode ser constatado na Lei dos Crimes Hediondos, Lei n. 8.072, de 1990, que aumentou a pena de vários delitos, estabeleceu o cumprimento da pena em regime integralmente fechado e suprimiu a liberdade provisória, assim como, também é latente no regime disciplinar diferenciado de execução penal, Lei 7.210/84, assim como na Lei n. 9.034, de 1995 do Crime Organizado. Os ataques em 11 de setembro às torres gêmeas reforçaram às teses levantadas por Jakobs, acentuando a figura do inimigo do estado, não cidadão, não adquirindo as garantias processuais e materiais. No Brasil temos explicitamente ação de uma terceira velocidade do direito penal, ação de grupos de elite como o BOPE no Rio de Janeiro, uso de técnicas de tortura e abordagens muito enérgicas, típicos de uma medida de pena imposta pelo estado para o inimigo, leia-se traficantes e seus adjacentes. Uma vítima famosa no mundo da aplicação desse ritmo penal foi o famoso caso do brasileiro Jean Charles na Inglaterra,  confundido com um terrorista foi morto pela ação do estado, com 8 tiros a queima roupa, pelo tratamento diferenciado que o inimigo do estado, o terrorista tem.


Velocidade 4 - Esta novíssima velocidade apareceu na Itália e vem apresentando vários seguidores na America do Sul, principalmente Zaffaroni. Essa corrente surge da necessidade de punir crimes contra a coletividade, crimes ambientais, crimes cometidos contra chefes de estado, crimes biológicos, violações a tratados internacionais, onde o sentido do nexo se perde pela amplitude da ação do agente. O direito penal passa a não ter fronteiras nem área de atuação, abrangência universal, se apresenta em uma nova denominação, Direito Penal do Autor, onde os preceitos iluministas passam a ser radicalmente restringidos, adotando-se garantias mínimas dentro do interesse do estado em punir o agente. A teoria da quarta velocidade estabeleceria Tribunal Penal Internacional como foro competente e estenderia sua atuação contra países não signatários (em Tese), mas nem todas as garantias seriam de acordo com o estatuto de Roma. Seria um direito penal do inimigo com a abrangência universal. É importante diferenciar essa velocidade da terceira que trata do direito penal do inimigo do estado, a quarta velocidade seria usada para tratar criminosos de guerra, genocidas, crimes contra a humanidade e meio ambiente. Um exemplo do uso do direito penal em terceira velocidade, o qual deveria ser tratado em quarta velocidade, seria o do ditador iraquiano Saddam Hussein, foi caçado, preso, submetido a  torturas e foi condenado em um tribunal de exceção e enforcado. Ele não foi julgado em tribunal penal internacional, portanto não foi utilizada a medida da energia e abrangência da quarta velocidade. Sem falar do caso do Osama Bin Laden, o qual foi utilizado o direito penal do inimigo, afastando-se o uso do direito penal em quarta velocidade para ao menos poder ser julgado.  


Portanto, as velocidades devem ser admitidas como ritmos da atividade punitiva imposta pelo estado ou estados em pactos internacionais. Inegavelmente, esses ritmos diferenciados da pretensão do estado em punir sempre existiram ao longo da história. Estudar esses pontos de vistas esclarece melhor o entendimento da amplitude de ação do direito penal, um direito penal positivista e único, torna a penalização injustamente gravosa para o cidadão  ou muito benéfica e protetora para o criminoso irrecuperável.